Minha crônica "Conversa de família" foi destaque na antologia +Humor, lançada pelo Selo Off Flip em 2023.
Já faz tempo que minha mãe e meu pai se separaram, mas isso nunca os impediu de continuarem amigos. Na verdade, a amizade entre os dois até se tornou mais leve, mais aparente, após a separação. Numa noite, por exemplo, depois de trabalhar o dia todo, ele, do alto de seus cinquenta anos, chegou indignado em casa comentando com a minha mãe:
– Pô, caraca! Aquela mulher me mandou mensagem perguntando o que eu estava fazendo online no zap de madrugada. É mole? Fuçando minha vida a essa hora.
– E quando é que tu vai dar uns pega nessa mulher? Ela tá te querendo.
– Que dar pega o quê! Vou dar pega nada!
– Deixa de ser frouxo!
– Frouxo... eu, hein. Que coisa esquisita, tirar print da tela pra dizer que viu o “online”...
Ele acha um absurdo a modernidade do stalker, esse negócio de ver o que o outro faz por meio de redes sociais. Talvez nem saiba o significado de stalkear. Não entende que, quando a gente tá a fim de alguém, pode acabar mandando uma mensagem de madrugada, mesmo que na maioria das vezes isso esteja condicionado a uma total falta de assunto.
Poucos dias depois do ocorrido, fomos os três comer num trailer da nossa rua, onde costumávamos pedir um x-tudo acompanhado de batata frita. Na mesa, voltamos ao assunto, e meu pai – meio sem graça, rindo da situação – continuou sem acreditar que uma pessoa se prestava ao papel de bisbilhotar a vida da outra no whatsapp, ainda mais de madrugada. Eu havia acabado de mencionar o nome da tal moça, quando minha mãe me interrompeu, direcionando a pergunta ao meu pai:
– Tu não vai comer?
Interferi na mesma hora, num misto de constrangimento e espanto:
– Mãe!
– Que é, garota? A batata! Perguntei se ele não ia mais comer a batata frita...
– Ahhh, bem.
Gargalhamos.
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